A agência da ONU para energia atômica relatou nesta segunda (16) que os ataques de Israel à infraestrutura nuclear do Irã causaram grandes danos, mas não atingiram o principal bunker subterrâneo conhecido do país.
“Não há indicação de ataque físico no salão subterrâneo com cascatas contendo parte da fábrica piloto de enriquecimento de combustível e a fábrica principal”, disse o argentino Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
Ele fez o relato em reunião do órgão a pedido do Irã, que por sua vez anunciou que deixará o principal tratado global que visa evitar que países desenvolvam armas nucleares, o TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear).
Segundo o porta-voz da chancelaria, Esmaeil Baghaei, o TNP deixa de ter efeito devido à decisão da AIEA de declarar o Irã como Estado em violação de suas obrigações relativas à transparência das inspeções nucleares.
Como o próprio Grossi havia dito à Folha no ano passado, Teerã está muito perto de ter a bomba atômica. O próprio chanceler do país, Abbas Araghchi, disse que era só uma questão de querer. Estimativas conservadoras dizem que o Irã tem matéria-prima para ao menos seis ogivas.
O TNP, ratificado pelo Irã em 1970, permite que países tenham programas nucleares pacíficos desde que eles renunciem às armas atômicas. A chancelaria em Teerã disse que não pretende construir a bomba, algo em que poucos acreditam a essa altura.
Em relação aos ataques de Israel, a AIEA disse que houve danos na área de superfície em Natanz, a principal planta de enriquecimento de urânio do país, com a destruição da menor das três unidades com esse fim no país.
Apesar de a parte subterrânea, onde cascatas de ultracentrífugas separam os isótopos mais leves do urânio de forma sequencial, não ter sido atingida, há outros riscos. “O corte na energia pode ter afetado as ultracentrífugas”, afirmou Grossi.
Já em Isfahan, quatro prédios foram destruídos: a usina de conversão de urânio, a usina de fabricação de combustível nuclear, a processadora de gás de urânio e o laboratório central. Em Fordow, um dos pontos mais secretos do programa, cavado numa montanha, não houve danos.
Noves fora a falta de clareza sobre o que ocorreu em Natanz, o relato da AIEA corrobora a visão de analistas de que o ataque de Israel pode ser devastador, mas não necessariamente conseguirá acabar com a capacidade dos aiatolás em buscar a bomba.
O Estado judeu fez isso em uma só tacada duas vezes com rivais regionais, quando destruiu centrais nucleares do Iraque em 1981 e da Síria em 2007. Para assegurar a destruição em Natanz e Fordow, Israel precisa da ajuda dos EUA, único aliado com a bomba de penetração de bunkers capaz de executar a missão.
Elas só pode ser jogada de bombardeiros furtivos ao radar B-2, o que implicaria a entrada direta dos EUA no conflito, algo que Donald Trump tem evitado.
Segundo Grossi, “a AIEA está e seguirá presente no Irã”. “Inspeções de salvaguardas continuarão assim que as condições permitirem, como é requerido pelo TNP”, disse, antes do anúncio de Teerã de que considera o tratado uma letra morta.
Isso deverá reforçar o discurso israelense de que os aiatolás querem a bomba já. Hoje, apenas o Estado judeu tem ogivas nucleares, um arsenal estimado em 90 armas, no Oriente Médio.
Também nesta segunda, a Rússia reiterou que está pronta para a ajudar na volta das negociações nucleares entre Irã e EUA, como Trump havia sugerido. O Kremlin diz que pode receber as reservas de urânio enriquecido do aliado, como forma de garantir que elas não serão usadas com fins bélicos.
Arranjo semelhante ocorreu em 2015, em troca do fim de sanções econômicas a Teerã, mas em 2018 Trump, em seu primeiro mandato, retirou os EUA do tratado porque acreditava que ele só dava tempo para os iranianos desenvolverem a bomba.
O colapso da retomadas das negociações, ao lado do selo de violador imposto pela AIEA, serviram de base para o ataque de Israel na sexta (13), que vinha sendo preparado há meses.